Processos de violência doméstica são arquivados em 80% dos casos

Mais de 80% das queixas por violência doméstica acabam arquivadas na justiça. Um crime de difícil prova quando as vítimas se calam. O medo traz o silêncio, muitas vezes apenas para elas se protegerem.

Nos últimos dois anos, dos 50579 processos que entraram no Ministério Público (MP) por queixas de violência doméstica, só 8179 resultaram em acusações. Um número avassalador de arquivamentos, a rondar os 80%, num crime de difícil prova e onde as vítimas têm um papel fundamental para que o processo não finde. No entanto, muitas delas remetem-se ao silêncio e o medo é um sentimento que acaba por arquivar muitos desses processos.

“As vítimas calam-se porque não se sentem protegidas. Se as ameaças continuam e se não foi aplicada uma medida de coação eficaz, as vítimas remetem-se ao silêncio apenas para se protegerem”, realçou, ao JN, Sónia Reis, psicóloga criminal e gestora do Gabinete de Apoio à Vítima de Setúbal.

“Quando denunciam o crime as autoridades agem, mas é naquele momento, depois o risco mantém-se. Uma medida de afastamento, por exemplo, vale o que vale para um agressor. Uns respeitam, outros não”, destaca.

Existem, porém, outras situações em que as vítimas não colaboram com as autoridades porque já se encontram de novo na relação com o agressor e se, por um lado, têm medo de represálias, por outro, acreditam que a violência vai parar. “A urgência da ação judicial não corresponde aos tempos vivenciais das pessoas. Algumas vítimas retomam as relações acreditando que o agressor vai mudar e assim não pretendem dar continuidade ao processo crime”, destacou a psicóloga Alexandra Dourado, da UMAR, para apontar: “Há vítimas que, já separadas, não voltam a ser agredidas, mas receiam que ao dar continuidade ao processo voltem a ser revitimizadas. Outras têm medo pelos familiares e não colaboram com a ideia de que assim a violência diminuirá”.

Transversal na sociedade

Para Maria Fernanda Alves, responsável pela Unidade Contra a Violência Doméstica, do DIAP de Lisboa, este é o grande revés nas investigações deste crime. “É um tema muito pessoal e um crime que geralmente ocorre no seio familiar. Muitas vezes as vítimas só querem que a agonia pare naquele momento. Quando se avança com o processo, recuam. Aí se as vítimas se calam, os agressores se calam e não há testemunhas, é difícil fazer a prova”, salientou, destacando a título de exemplo a violência contra idosos: “Alguns são maltratados pelos filhos, mas não dizem nada porque não querem que ninguém lhes faça mal… porque são os seus filhos!”. Para a procuradora este é um problema transversal a todas as classes sociais e cujas denúncias raramente chegam pela voz da vítima.

Apesar de salientar que as estatísticas dos arquivamentos podem ser enganosas, porque, por vezes, o arquivamento ocorre simplesmente porque o crime, à partida, foi mal catalogado, relembra que o depoimento para memória futura – a vítima só prestar um depoimento na altura da participação do crime -, são uma arma que poderá combater esses números.

Fonte: DN em 29 de Maio de 2013